sábado, 1 de janeiro de 2011

O homem ambientalista e conservacionista: um discurso desgastado?


Colaborador Roberto Rocha

A ano de 2010 foi consagrado como Ano da Biodiversidade, com suas espécies, paisagens e infinitas formas de expressão genética.  Uma tentativa para chamar a atenção de todos para o óbvio: “não há sistema econômico, nem social, nem cultural, que resista sem a fundamental e decisiva participação dos serviços ecossistêmicos”. Sem a preservação dos serviços da natureza não há civilização que se sustente por muito tempo. A saúde humana depende da saúde ambiental. Os "planos de saúde" - numa visão mais atualizada do que seja "saúde" - deveriam garantir também água potável, ar puro, moradia, saúde mental e tantos outros fatores para quem recebe seus serviços. Estamos ainda presos à conceitos retrógrados  que continuam a nos dizer que saúde, prioritáriamente,  é "não ter doença infecciosa".

Os hominídeos sempre foram testados a partir de seus potenciais bióticos desde a pré-história, no Período Paleolítico. Somos hoje - o Homo sapiens - resultado genético e único, do que foi inteligentemente selecionado pela resistência ambiental dos biomas terrestres do passado remoto. Das dezenas de espécies de  "homens primitivos", só nós conseguimos chegar até o momento recente. Talvez tenhamos nos entusiasmados demasiadamente com a domesticação dos animais, que ensejou a pecuária; e com o cultivo de vegetais - que estabeleceu a agricultura - e mais tarde, viria a ser manipulada pelo agronegócio em nível mega, devastador.

A descoberta da escrita, da fundição dos metais e a construção de cidades, sacramentaram a história humana com um modelo consumista que se tornou hegemônico. Meio tímido em seu início, viria – por força das máquinas – a se tornar um paradigma de sucesso econômico de curto prazo, embora desastroso no tempo ecológico.

E o que os ambientalistas têm a ver com isso? A explicação seria a seguinte: economistas e ecologistas não se falam. Motivo: incompatibilidade de interesses! Os primeiros – os economistas, com exceções, é claro - defendem o lucro e o desenvolvimento a qualquer custo, desconhecendo os serviços ambientais como “gerenciadores mais nobres”. Os recursos naturais “são para uso do homem”. A questão é bíblica: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Tenha ele domínio sobre os animais marinhos, sobre as aves, sobre os animais domésticos e sobre os répteis. Domine a terra toda”. Se compreendermos a profunda influência religiosa em nossas vidas - até por motivos subjetivos - é possível explicar porque não temos uma índole “conservacionista”. Ou ainda: quem sabe a determinação “domínio sobre os animais [...]” seria com a intenção de “usá-los racionalmente”?

Os interesses mais comuns estão centrados em “indivíduos e espécies”; e não exatamente nos “ecossistemas”. Quando se começou a falar em “proteger” baleias e micos, o que realmente estaria por trás de tudo, seriam os ecossistemas: marinhos e florestais, nesses casos. Algumas espécies são exaltadas como “bandeiras” porque são rapidamente reconhecidas, quando torna-se necessário estabelecer prioridades. Elas ficam mais visíveis e chamam a atenção, como faziam as "bandeiras" das guerras antigas e medievais. Se já é difícil para o leigo, entender o papel de uma espécie num ecossistema, imagine entender “todo” o ecossistema? Nós não fomos “formados” para pensar em rede.

A separação homem-natureza foi um grande êrro. Nossa percepção do “todo” foi suplantada pela percepção das partes: aquelas que nos ofereciam vantagens imediatas; e esse vício, continua até hoje. Se desejarmos realmente nos tornarmos “ambientalistas” – como o nome sugere, numa visão mais ampla e complexa - deveremos deixar de ser “simplistas”, combatendo a depredação ecológica, verdadeiro “cancro” para um desenvolvimento sustentável ou para a sustentabilidade de longo prazo, como querem os mais recentes pensadores.
Não podemos pensar em desafios humanos tais como educação, segurança, saúde, trabalho, transporte e tantos outros, sem considerar os ecossistemas como agentes mais importantes de qualquer processo antropológico que se deseje incrementar.

O homem “pensa que domina”, mas “ele não controla”, ele é controlado. Se tivéssemos evitado esse equívoco milenar, certamente estaríamos agora investindo bem mais numa educação que nos levasse  a compreender melhor a nossa dependência natural dos ecossistemas e não exatamente como explorá-la de modo devastador. Nossa educação deve seguir no sentido ecológico e de complexificação,  porque a natureza sempre age de forma multicooperativa, enquanto o homem atua de forma egoística e simplificadora.

Precisamos pensar como indivíduos de uma espécie que faz parte de um contexto; e não que pretenda "dominar" esse mesmo  contexto. O ambientalismo deve considerar este aspecto. A conservação consiste em aprendermos nas escolas e na vida, como funcionam os sistemas naturais e não somente como funcionam os sistemas econômicos predatórios.

O núcleo deve ser a família e a cidade deve ser a complementação. O homem é também um primata, essencialmente social.  A base de um primata é a sua família, seu referencial. Sem ela, permanece perdido e desorientado. As famílias formam os grupos; não são os grupos que formam as famílias. Se invertermos os papéis estaremos negando toda uma história antropológica de  muitos milhões de anos. É absurdo desejar apagar em alguns séculos o que construímos e incorporamos em nossos gens durante milhares e milhares de anos. Zelar pelo manutenção dos serviços dos ecossistemas é apenas uma questão de bom senso.

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