domingo, 2 de janeiro de 2011

O feitiço contra o feiticeiro


Colaborador Roberto Rocha

Incrivelmente, o impacto econômico causado pela recessão mundial traduziu-se na maior bênção ecológica desse início de século: os níveis de poluição diminuíram. Outra vez, fica provado que nada acontece isolado. Somos sistemas integrados e dependentes. Não importa se os argumentos estão apresentados em suas modalidades antropofragmentadas: ambiental, econômica, social ou cultural. Nada pode ser resolvido separadamente. Nenhum cérebro econômico raciocina sem ar, sem água, sem nutrientes, sem estímulos naturais que justifiquem a existência da visão, do olfato, da audição ou do tato. É irreal! Nosso corpo foi codificado em bases e parâmetros da natureza. Precisamos do canto dos pássaros, do quebrar das ondas numa praia, de ouvir os ventos nas montanhas, das quedas das cachoeiras, dos bordos picotados de cada folha diferente, dos aromas das flores e suas cores. Sem essa riqueza, somos meros autômatos a serviço de sistemas simplificados e pobres, embora chamem a isso de “complexa rede tecnológica”. Não que eu seja contra ela. Longe disso! Se assim não fosse eu não poderia agora estar aqui expondo minhas leituras e percepções do mundo através de uma rede de computadores que pode chegar a qualquer parte da Terra. É uma ferramenta maravilhosa. Reforçando: é uma ferramenta! Por trás dela precisa haver um cérebro pensante e sensível às emoções, o que nos classifica como seres humanos biológicos. Não há como contestar esta realidade. Embora eu tenha aprendido, do ponto de vista acadêmico, que não devo radicalizar, gostaria de abrir aqui uma exceção. Não abro mão de me manter biológico. Inventar, criar, estimular, praticar qualquer coisa não biológica precisa estar, necessariamente, associado ao bom senso, à reflexão, à bioética, à sabedoria, porque acredito que estas qualidades fazem parte de nosso mecanismo natural de “viver em sociedade”. Se assim não for estaremos descendo ladeira a baixo, sem freio, sem cinto de segurança, sem “air bag”, sem seguro de vida, frágeis. O século XXI nos cobra um posicionamento definitivo, depois de toda a nossa história escrita desde antiguidade. Nossos ancestrais hominídeos primitivos do paleolítico não tinham esse tipo de preocupação. Os desafios para a sobrevivência humana eram outros. No entanto, a condição “biológica” não mudou em todo esse tempo e nem vai mudar. Então, temos aqui um problema: até onde nós humanos, seremos capazes de negar ou tentar substituir padrões naturais que forjaram a nossa própria origem? Você saberia qual o limite? O ano de 2009 está nos convidando à reflexão, mais uma vez. Já tínhamos participado de outras propostas semelhantes. Lembram da Conferência de Estocolmo (1972)? Da Conferência do Rio (1992)? Da Conferência de Johannesburg (2002)? Dos Objetivos do Milênio até 2015, entre outros? Dessa vez temos um tema central: o aquecimento global. Estampado nos meios de comunicação, nas discussões do Painel Intergovernamental de Mudança do Clima, nos protestos de algumas ONGs. Mas uma questão me preocupa: onde ficou a saúde mental? Onde está a preocupação com as exigências naturais do cérebro humano? Imagine um computador sem informações e sem processamento. Ele seria totalmente inútil. Mesmo cercado de toneladas de ouro, corremos o risco de não poder usufruir de tudo isso que conquistamos tão rapidamente. Corremos o risco, desculpe o neologismo, da “demência tecnológica”. De uma sensação de vazio permanente, mesmo cercado de milhões de carros e prédios, de piscinas e de supermercados. No fundo, sempre seremos primatas sociais e dependentes cerebrais exigentes de uma percepção megadiversa. Ou reconhecemos isso, ou traçaremos um futuro incerto e perigoso. Que não terá como argumento principal toda uma história milenar de sentimentos e trocas com a “natureza”, de onde todos nós viemos, para onde todos nós iremos, afinal o que todos nós somos...

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